Dona
de um dos sistemas de ensino mais elogiados do mundo, a Finlândia recebeu, de
fevereiro a julho deste ano, 35 professores de institutos federais brasileiros
para treinamento e capacitação. Veja o que eles aprenderam lá:
1. Usar mais projetos nas aulas
Os
professores entrevistados pela BBC Brasil dizem que projetos elaborados por
alunos e a resolução de problemas estão ganhando protagonismo no ensino
finlandês, em detrimento da aula tradicional.
São as
metodologias chamadas de "problem-based learning" e
"project-based learning" (ensino baseado em problemas ou projetos).
Neles, problemas – fictícios ou reais da comunidade – são o ponto de partida do
aprendizado. Os alunos aprendem na prática e buscam eles mesmos as soluções.
"Os
projetos são desenvolvidos sem o envolvimento tão direto do professor, em que
os alunos aprendem não só o conteúdo, mas a gerir um plano e lidar com
erros", diz Bruno Garcês, professor de Química do Instituto Federal do
Mato Grosso, que pretende aplicar o método em aulas de experimentos práticos.
Os
professores brasileiros visitaram, na Finlândia, cursos superiores baseados
inteiramente nessa metodologia.
"Um
curso de Administração tem disciplinas tradicionais no primeiro ano. Mas, nos
dois anos e meio seguintes, os alunos deixam de ter professores, passam a ter
tutores, formam empresas reais e aprendem enquanto desenvolvem o negócio",
diz Francisco Fechine, coordenador do Instituto Federal de Tecnologia da
Paraíba.
Não é
uma estrutura que sirva para qualquer tipo de curso, mas funciona nos voltados,
por exemplo, a empreendedorismo, explica Joelma Kremer, do Instituto Federal de
Santa Catarina.
"E
os alunos têm uma carga de leitura, para buscar (nos livros) as ferramentas que
precisam para resolver os problemas."
2. Foco na produção de conteúdo pelos alunos
A
resolução de problemas e projetos é parte de um ensino mais centrado na
produção do próprio aluno. Ao professor cabe mediar a interação na sala de aula
e saber quais metas têm de ser alcançadas em cada projeto.
"Nós
(no Brasil) somos mais centrados em o professor preparar a aula, dar e corrigir
exercícios. O aluno faz pouco. Podemos dar mais espaço para o aluno avaliar o
que ele vai desenvolvendo", diz a professora Giani Barwald Bohm, do
Instituto Federal Sul-rio-grandense.
"No
modelo tradicional de ensino, quem mais aprende é o professor. Lá (na
Finlândia) é o aluno quem tem de buscar conteúdo, e o professor tem que saber
qual o objetivo da aula. Para isso você não precisa de muita tecnologia, mas
sim de capacitação (dos docentes)", agrega Joelma Kremer.
3. Repensar o papel da avaliação
Nesse
contexto, a avaliação tem utilidade diferente, diz Kremer: "A avaliação
está presente, mas os alunos se autoavaliam, avaliam uns aos outros, e o
professor avalia os resultados dos projetos".
"Ao
reduzir o número de testes (formais) e avaliar mais trabalhos em grupo e
atividades diferentes, os professores têm um filme do desempenho do aluno, e
não apenas a foto (do momento da prova)", diz Fechine.
"Conhecemos
um professor de física finlandês que avaliava seus alunos pelos vídeos que eles
gravavam dos experimentos feitos em casa e mandavam por e-mail ou
Dropbox."
A
tecnologia não é parte central desse processo, mas auxilia o trabalho do
professor em estimular a participação dos alunos finlandeses.
"Em
vez de proibir o celular, os professores os usam em sala de aula para estimular
a participação dos alunos – por exemplo, respondendo (via aplicativos
especiais) enquetes que tivessem a ver com as aulas", conta Kremer.
Algumas
salas têm mobília especialmente projetada para que os alunos possam ser
agrupados ou separados
Salas
especialmente projetadas e tecnologia amparam o trabalho do professor
"Isso
torna a aula mais interessante para eles. E é complicado para a gente ficar
dizendo, 'desliga o celular', algo que já começa estabelecendo uma relação de
antipatia com o aluno."
Os
professores brasileiros também conheceram algumas salas de aula com mobília
especialmente projetada, diferente do modelo tradicional de cadeiras
individuais voltadas à lousa.
"Muitas
salas têm sofás, poltronas, mesas ajustáveis para trabalhos individuais ou em
grupo e vários projetores", agrega Kremer. "É um mobiliário pensado
para essa metodologia diferente de ensino."
Fechine
vai reproduzir parcialmente a ideia no Instituto Federal da Paraíba, trocando
as carteiras de braço por mesas que possam ser agrupadas para trabalhos.
5. Desenvolvimento de habilidades do século 21
A professora Giani Barwald Bohm conta
que o ensino fundamental finlandês continua dividido em disciplinas tradicionais,
mas focado cada vez mais no desenvolvimento de habilidades dos alunos, e não
apenas na assimilação de conteúdo tradicional.
"São desenvolvidas competências do século 21, como comunicação, pensamento crítico e
empreendedorismo", diz ela.
Para Fechine, estimular a
independência do estudante é uma forma de romper o ciclo de "alunos
passivos, que só fazem a tarefa se o professor cobrar, interagem muito
pouco".
6. Intervalos mais frequentes entre as aulas
A
Finlândia adota aulas de 45 minutos seguidas de 15 minutos de intervalo na
educação básica – prática que Bruno Garcês acha que poderia ser disseminada por
aqui. "Tira a tensão de ficar tantas horas sentado", diz.
Fechine
também considera a ideia interessante, mas aponta que a grande carga horária no
ensino médio brasileiro dificulta sua aplicação e lembra que na Finlândia ela é
acompanhada de uma forte cultura de pontualidade. "As aulas começam no
horário e aluno rapidamente entra na (rotina de) resolução de problemas."
7. Cultivar elos com a vida real e empresas
Muitos
dos projetos dos estudantes finlandeses são tocados em parcerias com empresas,
para aumentar sua conexão com a vida real e o mercado de trabalho, algo que
Garcês acha que poderia ser mais frequente no Brasil.
"Aqui
na área rural do Mato Grosso podemos ter uma interação maior com as fazendas
locais, ministrando aulas a partir do que os produtores rurais precisam."
A
vantagem disso é que o aluno vê sentido prático e profissional no que está
aprendendo, explica Giani Barwald Bohm. "Ele desenvolve algo diretamente
para o mercado de trabalho, que vai ter relevância para o próprio estudante e é
contextualizado com as empresas locais. As empresas são envolvidas na
organização e acompanham os alunos no dia a dia e até ficam de olho para
contratá-los depois."
8. Formação mais prática e valorização do professor
A
formação dos professores é apontada como a principal chave do sucesso do ensino
finlandês. Os brasileiros observaram lá uma capacitação mais prática, voltada
ao dia a dia da sala de aula, e mais interação entre o corpo docente.
"Algumas
salas têm dois professores - um como ouvinte do outro caso seja menos
experiente", relata Fechine.
"Há
uma relação mais direta (entre os professores), com muita conversa entre quem
dirige o ensino e quem dá aula", agrega Barwald Bohm.
"Além
disso, há uma valorização cultural do professor lá, semelhante à de outras
profissões. O salário é equivalente e as condições de trabalho dão bastante
tempo para o planejamento das aulas", diz Bruno Garcês.